Hélder Silva: “Há um lado ‘louco’ em todos os inventores, mas sempre me preocupei com o bem-estar da sociedade”
Nasceu na Gabela, Cuanza Sul, fez o Médio de Eletricidade no Instituto Médio Industrial de Luanda (IMIL) e o de Electrónica em Portugal, onde vive há anos. Hélder Silva é um consagrado inventor angolano, que já recebeu várias medalhas – incluindo de Ouro – pelas suas crianções. O que o move, garante, não é o dinheiro, mas ajudar as pessoas a viverem melhor.
Quando descobriu que tinha um ‘bichinho’ para invenções?
Já nasci diferente dos meus irmãos: para começar, nasci loiro e, sendo filho de dois casais mestiços, o meu pai sempre achou que eu tinha alguma coisa diferente – algo que não era de família. Comecei muito cedo a desmontar aparelhos lá em casa – rádios, relógios, varinhas mágicas -, para saber o que se passava lá dentro. Apanhei mesmo algumas ‘palmatórias’ por esse atrevimento, que era um vício. Não se consegue parar com um vício facilmente, e eu continuo, até hoje, com esse ‘bichinho’. Acho que está a multiplicar-se, cada vez fica mais teimoso!
Quais as suas principais invenções?
Nenhuma é melhor do que a outra, porque cada uma tem utilidade circunstancial. Mas, por exemplo, gostaria que as mulheres utilizassem o Semáforo do Amor.
De que se trata?
É um dispositivo electrónico que permite introduzir os dados referentes ao período menstrual e, após a tecla de busca ser premida, uma lâmpada muda de cor – verde para o período não fértil, vermelho para o período fértil.
E mais?
Também gostaria de ver em utilização o sistema de transmissão de dados das caixas negras dos aviões, que permite obter os dados gravados nestes dispositivos à distância, assim como coordenadas geográficas, pressão e som em tempo real. Posso ainda referir o Partograma Digital, que permite ao médico obstetra colocar, durante o período de pré-parto, sensores para medir a dilatação do colo do útero, de forma que se possa avaliar se o parto será normal ou se há necessidade de cesariana. Há várias que gostaria de ver em uso, não por estar à procura de dinheiro, mas porque gostaria que as pessoas se sentissem bem com a utilização dos equipamentos que invento.
Já tem alguma invenção no mercado?
Por exemplo, há um dispositivo para evitar choques em cadeia que algumas marcas de automóveis estão a aplicar. Não tiveram a minha anuência, mas seria uma complicação muito grande irmos a Tribunal. Mas, desde que utilizem, já é bom. Desenvolvi ainda um detector de malas de viagem em tapetes rolantes dos aeroportos, que informa os passageiros de que as suas bagagens estão prontas para serem levantadas.
Há muitos inventores angolanos?
Não há muitos, mas alguns começam a sobressair. Não precisamos de apoio – um inventor não precisa de apoio: precisamos é de oportunidades para divulgar e fazer utilizar aquilo que criamos, o resto virá depois.
Onde estão eles?
Um pouco por todo a Angola. Sinto que tenho uma ‘missão’, que é pedir uma revisão de regulamentos à Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). Algumas regras não beneficiam os inventores que têm poucas possibilidades [financeiras]. Por exemplo, depois de fazermos o pedido de registo de uma patente, temos apenas 12 meses para fazer estender esse pedido a outros países, no âmbito do chamado Tratado de Cooperação de Patentes [PCT, acrónimo inglês], mas o custo supera os 100 mil euros. Pouca gente tem estas verbas disponíveis, poderíamos negociar com a OMPI uma taxa reduzida, como há nalguns países da África Ocidental. Falta, possivelmente, vontade política.
Numa feira na Alemanha, em 2022, foi exposto um purificador de ar permanente para escolas e escritórios, uma invenção sua, em co-autoria com Ricardo Figueiredo. Há manifestações de interesse?
Este equipamento foi desenvolvido por ambos, mas nenhum de nós sabia que o outro estava a fazer o mesmo. O Ricardo Figueiredo desenvolveu o equipamento, na Caala [no Huambo], com necessidade de exaustão posterior; eu fi-lo aqui em Portugal, sem necessidade de expulsar o ar incinerado para fora: depois de incinerado, é refrigerado. Mas o que foi desenvolvido aqui em Portugal daria muito bem para aplicar em aviões, autocarros, comboios, salas de aulas. O nosso trabalho foi desenvolvido, certificado, demonstrado, juntámo-nos, eu e o Ricardo, e ganhámos a Medalha de Ouro, mas isso não basta: a maior satisfação que um inventor pode ter é ver a sua invenção ser utilizada.
Já participou em várias outras feiras…
Sim. Por exemplo, estive na Feira de Nuremberga, Alemanha, em Outubro de 2010, com um sistema automático para aterragem de aviões com defeito nos trens de aterragem – foi Medalha de Prata. Também na mesma feira, e também mereceu Prata, apresentei um sistema automático para sucção e drenagem para pacientes com traqueotomia sem balão. Antes, em 1999, estive na Feira de Genebra, Suíça, com o dispositivo de detecção e identificação de malas de viagens nos aeroportos – que foi Medalha de Bronze. De novo em Nuremberg, Alemanha, em 2014, com o sistema de comunicação de acidente das caixas negras dos aviões – Bronze também. No Espírito Santo, Brasil, em 2014, mostrei um sistema para locomoção de deficientes motores – Medalha de Prata. Em Toronto, no Canadá, em 2018, ganhei Medalha de Ouro com o dispositivo para comunicar à distância com as caixas negras dos aviões.
Que projectos tem para o futuro?
Muitos! Já os nossos avós diziam que a galinha enche o papo grão-a-grão. Temos que pensar em criar energia verdadeiramente limpa, algo que ainda não foi realmente inventado.
Que mensagem deixaria a futuros inventores?
Há, no inventor, um lado ‘louco’, que aliás toda a gente tem – mais acentuado em nós. Eu, desde sempre, preocupei-me com o bem-estar da sociedade.